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Rede permite viajar pelo mundo de sofá em sofá
Penelope Green
Viajar pelo mundo se hospedando nos sofás
alheios é uma forma de aproveitar um conceito muito antigo de
hospitalidade e adaptá-lo ao mais moderno dos paradigmas, o das redes
sociais na Web. A residência de Neil Medel em Manhattan é certamente
aconchegante, mas de maneira alguma poderia ser considerada espaçosa. Um
aposento de apenas três por 2,10 metros, sobre St. Marks Place, no East
Village, serve como sala de estar em miniatura, uma espécie de lugar em
modo haiku.
Medel, 33, trabalha para uma empresa importadora, e
dorme em um mezanino montado sobre a sala abaixo, no qual também
encontra espaço para guardar suas 40 calças jeans, que se empilham em
montes desordenados, e uma coleção de caixotes de plástico azul nos
quais armazena outros pertences. Mesmo assim, Medel, nascido nas
Filipinas, está sempre interessado em servir de anfitrião, e cumpre esse
papel com generosidade durante pelo menos três dias por semana,
recebendo visitantes de gostos semelhantes vindos de Los Angeles, Texas,
Suécia, Alemanha e de lugares ainda mais distantes.
O que é o Couch Surfing Project
Medel é um navegador de sofá, e o mesmo se aplica aos seus convidados;
eles descobrem uns aos outros por meio do Couch Surfing Project (http://couchsurfing.com),
uma comunidade internacional construída no modelo de sites de redes
sociais como o MySpace e o Facebook, nos quais as conexões sociais se
realizam por meio de redes de "amigos". De acordo com as estatísticas do
Couch Surfing Project, mais de 300 mil pessoas, localizadas em 31 mil
cidades de todos os tamanhos, ao redor do mundo, participam das diversas
comunidades que ele abriga.
A filosofia do grupo lhe serve também como método, e pode ser
resumida da seguinte forma: eu lhe ofereço hospedagem gratuita em meu
sofá, acrescida da minha companhia e da companhia de meus amigos, bem
como de uma visita aos meus lugares preferidos na cidade em que moro. Em
troca, você se comportará como amigo, e não vai simplesmente voltar para
minha casa às 3h depois de conhecer a cidade por conta própria. Dessa
maneira, construiremos uma amizade entre nós, nem que seja por apenas um
ou dois dias.
Na definição que o site mesmo propõe para sua missão, eles querem
"participar na criação de um mundo melhor, um sofá de cada vez". Mas,
como dizem severamente os membros do site, o objetivo do serviço não é
promover encontros românticos, ou beneficiar os aproveitadores.
"Trata-se de um estilo de vida e de uma forma de dedicação", afirma
Medel. Ele e os demais anfitriões da comunidade em Nova York se reúnem
uma vez por semana em um bar em Union Square, levando com eles os novos
visitantes que recebem. Organizam festas de aniversário uns para os
outros e montam o que definem como "invasões" de outras cidades, como
cerca de 30 moradores de Nova York fizeram em uma visita de três dias a
Boston no terceiro trimestre do ano passado.
Romance
É inevitável que os relacionamentos nascidos com as visitas e as
estadias tenham resultado em romances, casamentos e até em bebês, conta
Sherry Huckabee, 41, que começou a participar da comunidade quando vivia
em Charlotte, na Carolina do Norte mas agora se mudou para a Romênia,
depois de se apaixonar por Hans Hedrich, 36, o homem que a recebeu em
uma visita à cidade no ano passado, ao final de um périplo de dois anos
pela Europa. Agora Huckabee e Hedrich, que dirige uma fundação sem fins
lucrativos cuja missão é promover o turismo sustentável, chegam a
receber até 20 jovens internautas viajantes de uma só vez. Hedrich, diz
Huckabee, sempre tem um lugar em seu sofá, até mesmo para visitantes não
anunciados.
Huckabee encontrou inspiração no romancista Jack Kerouac para
escrever um livro sobre suas experiências como navegadora de sofás. Três
anos atrás, ela trabalhava como advogada em Charlotte, depois de passar
por um divórcio anos antes, e estava se sentindo solitária porque seus
filhos saíram de casa. "Foi um momento de imensa reconsideração sobre
quem eu sou, como me posiciono com relação à vida", disse. "Quem era eu
excetuada a condição de esposa, mãe, etc.? O que eu queria era encontrar
a sensação de que poderia levar minha casa comigo para onde quer que
fosse, e desejava igualmente me livrar da sensação de que existia uma
casa esperando por mim em outro lugar qualquer".
Huckabee doou a maior parte de seus pertences e partiu naquilo que
deveria ser uma viagem de três meses pela Itália. E foi lá que ela
descobriu o mundo da navegação em sofá.
O que a manteve inspirada a se deslocar de cidade em cidade foram
detalhes do tipo que deliciam um escritor: seu anfitrião argelino em
Paris, que dormia em uma cama posicionada de forma a permitir que ele
contemplasse um pôster de Monica Bellucci no teto, porque isso o ajudava
a imaginar que adormecia nos braços dela a cada noite; o apartamento de
uma família búlgara, um sombrio edifício de concreto construído na era
soviética, que, assim que a porta de entrada se abria, passava a parecer
uma ilha tropical, com paredes pintadas de um verde brilhante e detalhes
azuis; a mulher da Europa setentrional que não trabalhava - e
aparentemente nem limpava o banheiro de seu apartamento - há três anos,
mas que ainda assim foi pedir uma garrafa de vinho a um vizinho para
receber a visita de Huckabee de maneira condigna.
Em sua Charlotte natal, conta Huckabee, "se você não tem um quarto de
hóspedes, não tem companhia". Ela acrescenta que "mesmo os familiares
preferem ficam em hotéis. Até mesmo quando as pessoas vêm para um
jantar, é preciso passar por um processo - aspirar o pó da casa toda,
trocar os lençóis e toalhas. Na Europa, eles oferecem o sofá, e é só.
Ninguém sai fazendo faxina. Isso permite uma visão mais detalhada dos
mundos alheios, em lugar de um panorama idealizado, onde todo mundo é
limpinho, toda casa é arrumadinha".
No entanto, ela confessa que sua navegação a levou a alguns sofás
seriamente encardidos.
The New York Times |