O olho digital do leão

SÃO PAULO - Em fase de implantação pela Receita, a nota fiscal eletrônica gera dúvidas sobre o risco de falhas técnicas e quebra do sigilo fiscal das empresas.

Em 1808, ao desembarcar no Brasil com a família real portuguesa, dom João VI fundou o Conselho da Fazenda para arrecadar os impostos que custeariam os gastos da Coroa. Nascia a futura Receita Federal. Na época, munidos de papel e bico-de-pena, os fiscais batiam à porta dos contribuintes para cobrar os tributos. Desde então, o Leão passou por várias mutações, sempre afiando as garras para arrecadar mais. Na história recente, a transformação mais radical começou em 1997, com a declaração do imposto de renda pela internet. A próxima mudança importante deve ocorrer em abril de 2008, quando as empresas dos setores de combustíveis e cigarros, ambos com altos níveis de evasão, passarão a emitir notas fiscais eletrônicas. Todos os procedimentos hoje feitos em papel - da emissão da nota à conferência para o despacho das mercadorias - serão realizados eletronicamente. Inicialmente, a exigência da Receita atingirá apenas as transações entre empresas, não alcançando o consumidor. Futuramente, os demais setores da economia também migrarão para o novo sistema.

Como toda inovação tecnológica, as notas eletrônicas representam um avanço inegável, tanto para a Receita quanto para as empresas, seja em termos de combate à evasão, seja em termos de economia nos custos de papel, impressão e arquivamento da contabilidade, além da racionalização da cobrança de impostos. Essa é a parte boa da história. Mas o formato do projeto piloto levanta sérias dúvidas entre empresas e especialistas em tributação. De acordo com o vice-presidente financeiro da Fiat, José Silva Tavares, o projeto contém armadilhas perigosas. A mais grave é obrigar as empresas a pedir uma autorização eletrônica à Receita toda vez que faturarem serviços e mercadorias - sem essa autorização, a nota fiscal não poderá ser emitida. No caso das grandes empresas, isso significa milhares de pedidos a cada mês. "Essa exigência é absurda e autoritária", diz Tavares. O autoritarismo do projeto estaria em seu caráter invasivo. Hoje, por lei, sempre que quiser, o Leão pode verificar a contabilidade de qualquer empresa do país. Mas, na prática, isso não acontece - a Receita só pede informações esporadicamente. Com a nota eletrônica, a vigilância será permanente, pois as empresas terão de enviar ao Fisco os dados de cada transação.

Em tese, não há nada de errado em aumentar a vigilância sobre as empresas. Em tese. O problema é que o sistema tributário brasileiro é tão confuso que nem entre os especialistas há consenso sobre muitos aspectos da legislação. Nos últimos 20 anos, o sistema ganhou 250 000 novas normas. O medo é que as empresas sejam impedidas de emitir notas diante de qualquer problema fiscal. Também existe o risco de que falhas técnicas na operação do novo sistema travem a emissão das notas, causando aquilo que o advogado tributarista Roberto Pasqualin chama de "apagão tributário". Isso aconteceria porque, no novo formato, compradores, vendedores e Fisco estarão interligados na mesma plataforma. É fundamental que todos os elos do sistema operem com máxima eficiência - como as empresas vendem produtos umas para as outras, um problema isolado de algum fornecedor pode, no limite, paralisar toda a cadeia produtiva.

Outra questão preocupante diz respeito aos custos e ao prazo de implantação do sistema. A Receita não tem um cronograma definido. "As empresas precisarão de dois a três anos para se adequar", diz Tavares. Para uma montadora como a Fiat, os custos de implantação da nota eletrônica poderiam chegar a 70 milhões de reais. No caso de uma usina de álcool como a Santa Elisa, a opção foi contratar a consultoria Mastersaf para acessar um programa de emissão de notas desenvolvido pela IBM. A conta inicial para a Santa Elisa ficou em 100 000 reais. Daqui para a frente, a usina deverá gastar cerca de 30 000 reais por ano para emitir as notas.

"O novo sistema terá grande impacto na vida das empresas", diz Cláudio Coli, diretor da Mastersaf. Concebida em 2005, a nota eletrônica se propõe a unificar a arrecadação de tributos federais, estaduais e municipais, como ICMS, IPI, PIS e Cofins. Em cinco estados, cerca de 50 empresas, como Fiat, Souza Cruz, Gerdau, Sadia e Wickbold, testam o modelo em caráter voluntário. "Estamos trabalhando de maneira transparente, consultando empresas, estados e municípios", diz Flávio Martins Araújo, supervisor de fiscalização da Receita.

Por fim, existem os riscos que ameaçam qualquer sistema informatizado, como queda de energia, falha dos computadores e invasões de hackers, que poderiam violar o sigilo fiscal das empresas. A favor da Receita, diga-se que ela conta com um sistema de segurança robusto, que jamais sofreu ataque de grandes proporções. O Fisco também conta com a experiência bem-sucedida do imposto de renda online. Para implantar a nota eletrônica, o governo está investindo 81 milhões de reais. Quando a nova nota estiver valendo, espera aumentar em 20% a arrecadação, diminuindo a evasão. Já as empresas deverão reduzir em mais de 50% os gastos com a emissão de notas. Mas, para que a nota eletrônica se consagre apenas pelos benefícios, é preciso que a Receita elimine, desde já, os excessos da versão preliminar .

O que muda para as empresas

A nota fiscal eletrônica representa um avanço tecnológico, mas pode criar problemas novos

O que vai melhorar

Para a Receita:
- Diminuirão as brechas para evasão fiscal
- Permitirá maior controle sobre o faturamento das empresas

Para as empresas:
- Haverá economia de papel e os custos da contabilidade serão reduzidos

O que pode dar errado

- A Receita pode bloquear a emissão de notas de empresas que tenham algum litígio de impostos estaduais e municipais ou simplesmente por erros de preenchimento. Cadeias de negócios podem ficar paralisadas por isso
- Em caso de pane do sistema, é possível que ocorra um apagão tributário. As empresas não conseguiriam emitir notas e seus negócios seriam interrompidos
- Como todo sistema online, entrará na mira de hackers e pode haver tentativas de violação do sigilo fiscal

Por Angela Pimenta, da EXAME

 

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