Físicos enfrentam o pesadelo das viagens no tempo

Ivan Semeniuk *
Especial para a New Scientist

Talvez esse seja o seu maior sonho, mas, para muitos físicos, a viagem no tempo é o pior pesadelo que poderiam enfrentar. "Acredito que a maioria de nós adoraria se livrar das máquinas do tempo, se tivéssemos essa possibilidade", diz Amanda Peet, da Universidade de Toronto. "Elas ofendem nossas sensibilidades fundamentais".

Existe um motivo muito simples para isso. Ainda que as leis da natureza pareçam permitir a existência de máquinas do tempo, estas violam o princípio da causalidade -a suposição básica de que as causas necessitam anteceder seus efeitos. O problema é que, até agora, ninguém conseguiu oferecer uma explicação definitiva para negar a possibilidade de que máquinas do tempo funcionem. O melhor que temos é a "conjectura de projeção cronológica" de Stephen Hawking, a qual, em resumo, sugere que existe um policial do tempo embutido na estrutura do Universo. Sempre que alguém está quase conseguindo construir uma máquina do tempo, o policial entra em ação e impede a operação antes que ela tenha a oportunidade de causar o caos no passado. No entanto, não existem provas da existência de policiais do tempo, nas leis da física, de modo que no momento a conjectura de proteção cronológica é simplesmente uma expressão de otimismo, um físico cruzando seus dedos e esperando que as coisas sejam resolvidas da melhor maneira possível.

Mas a situação talvez esteja prestes a mudar. Alguns poucos grupos de pesquisadores independentes estão alegando enfim ter discernido um vislumbre da proteção cronológica. Nos últimos 12 meses, diversas novas abordagens quanto ao enigma das viagens temporais surgiram entre os físicos. Ainda que difiram entre si, essas abordagens todas tinham uma coisa em comum: invocavam a teoria das cordas, a principal candidata à condição de "teoria unificada" hoje disponível. Sob a teoria das cordas, aparentemente, é possível fechar de vez o buraco que parecia permitir viagens no tempo.

Os físicos não teriam de se preocupar com viagens no tempo se não fosse o mais famoso físico de todos os tempos. Quando Albert Einstein desenvolveu sua teoria geral da relatividade, em 1915, inadvertidamente abriu as portas para violações generalizadas do princípio da cronologia. "A teoria geral da relatividade está completamente infestada de máquinas do tempo", diz Matt Visser, professor de Matemática Aplicada na Universidade Victoria, em Wellington, Nova Zelândia. "Ela certamente parece permitir todas essas soluções exóticas sob as quais viagens no tempo são teoricamente possíveis".

Antes que a teoria geral da relatividade surgisse, soluções como essas eram inimagináveis. No universo de Newton, a direção do tempo era, por definição, absoluta e irreversível. Até mesmo sob a teoria especial da relatividade, o primeiro tour de force intelectual de Einstein, o fluxo de tempo unidirecional não se alterava.

Mas a teoria geral da relatividade -que inclui a idéia revolucionária de Einstein de que a gravidade é o resultado da distorção do espaço e do tempo pela matéria- é uma história muito diferente. Diferentemente de teorias anteriores, ela não começa com uma estrutura global presumida para o tempo, mas simplesmente oferece regras para como o tempo é percebido em circunstâncias locais.

"Na verdade, a teoria geral da relatividade relaciona a distribuição da matéria 'aqui' à curvatura do espaço e fluxo do tempo 'aqui', mas não oferece muita informação de longa distância", diz Visser.

Devido à sua "generalidade", a relatividade geral não impõe suposições adicionais sobre a natureza do espaço e do tempo como um todo. Por exemplo, os cosmólogos não têm maneira de saber se o Universo é finito ou infinito, com base nas equações propostas por Einstein. São necessárias informações adicionais para determinar se o espaço se estende ao infinito ou se na verdade se curva sobre si mesmo. De maneira semelhante, simplesmente porque o tempo parece fluir em uma direção em nossa parte do universo, não há nada explícito, na teoria geral da relatividade, que afirme que ele não pode se comportar diferentemente em outro lugar. Algumas das soluções das equações de Einstein, em especial, levam a "curvas fechadas de caráter temporal", percursos ininterruptos pelo contínuo espaço-temporal que permitiriam que os viajantes recuassem no tempo e se encontrassem com versões passadas deles mesmos. "Isso é algo que sempre irritou os físicos", diz Visser.

E talvez seja por isso, no jargão da física relativista, que as regiões de espaço que contenham curvas fechadas de caráter temporal sejam conhecidas como "doentes". Existem pelo menos dois bons motivos para o incômodo quanto à possível existência dessas regiões. Um é o famoso paradoxo do avô. Nesse cenário você, o viajante do tempo, segue uma curva fechada de caráter temporal em direção ao passado a fim de assassinar um ancestral direto, o que impediria o surgimento das circunstâncias que levaram ao seu nascimento. A ficção científica está repleta de histórias paradoxais desse gênero, nas quais um visitante do futuro altera a História.

Um segundo problema é o igualmente intrigante paradoxo do ovo e da galinha. Suponha que alguém lhe conte a piada mais engraçada do mundo e você a seguir viaje no tempo e volte uma semana ao passado, para uma festa onde conta a piada. É claro que a piada faz sucesso e continua a ser contada, até que termina por chegar de novo a você, uma semana mais tarde, o que dá início ao circuito fechado uma vez mais. A questão é -de onde veio a piada?

Em um caso, o efeito elimina a causa; no outro, o efeito se torna a causa. No entanto, existem condições físicas que permitem que situações como essas aconteçam, como parte das soluções para as equações einstenianas.

Curvas fechadas de caráter temporal como essas não são fáceis de produzir ou explorar, evidentemente. Se as viagens no tempo são possíveis, elas só poderiam ser realizadas com tecnologia de uma escala muito superior à disponível para a civilização do século 21 (leia o texto "Sete tipos de máquinas do tempo"). Mas não é esse o ponto: o ponto é que a teoria geral da relatividade não nega essa possibilidade; ela só nos informa que viagens no tempo são dispendiosas e difíceis. Assim, será que a conjectura de Hawking está errada? A viagem no tempo seria apenas um desafio técnico a superar, em lugar de uma impossibilidade física?

Os físicos envolvidos com essa área da disciplina, sempre criativos em sua argumentação, estão interpretando a atitude relativamente permissiva da teoria geral da relatividade quanto às viagens no tempo como um sinal de que a teoria é incompleta. "Em certos sentidos, a teoria geral da relatividade é tão espantosa exatamente por prever seu próprio fim", diz Rob Myers, do Instituto Perimeter, em Ontário, Canadá. "A teoria de Einstein nos diz que só pode nos conduzir até um determinado ponto, e que depois disso será necessária uma teoria melhor a fim de que possamos compreender para onde vai a física, a partir dali".

Lisa Dyson, aluna de pós-graduação em física teórica no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), concorda. "Sabemos que a relatividade não é a história toda", diz. "A teoria geral da relatividade é uma teoria da gravidade, mas existem outras forças que governam o mundo: a interação nuclear forte, a fraca e a força eletromagnética. Assim que compreendermos todas essas forças, e como se unificam, podemos descobrir, talvez, que as viagens no tempo são inconsistentes com a teoria unificada".

Hoje, as demais forças que não a gravidade são estudadas pela mecânica quântica. Por décadas os físicos vêm-se esforçando por unir a mecânica quântica e a relatividade para produzir uma teoria de "gravidade quântica". E a melhor candidata até agora é a teoria das cordas.

A teoria das cordas é uma maneira dispersa e multidimensional de descrever o Universo. Porque a causalidade é parte fundamental dessa descrição, muitos físicos esperam que a teoria das cordas descarte, de alguma maneira e explicitamente, as viagens no tempo. "A teoria das cordas é promissora como teoria de unificação da gravidade com as demais forças fundamentais da natureza", diz Dyson. "Se o nosso conceito usual de cronologia for parte integrante do Universo, a cronologia decerto deve estar protegida em algum lugar da teoria das cordas".

Em alguns casos específicos, essa expectativa começa a ser confirmada. Um desdobramento especialmente útil surgiu recentemente quando um grupo liderado pelo físico Jerome Gauntlett, então trabalhando na Universidade Queen Mary, de Londres, estava desenvolvendo uma aproximação simplificada para a teoria das cordas, conhecida como supergravidade de cinco dimensões. Ainda que seja parente próximo da teoria das cordas plena, o grupo liderado por ele descobriu que muitas das soluções aceitáveis para a supergravidade admitem viagens no tempo, de maneira semelhante à teoria da relatividade geral. "O que me surpreendeu", diz Gauntlett, "é que essas soluções se provaram bastante comuns".

Petr Horava, físico teórico da Universidade da Califórnia, em Berkeley, estava lecionando em um curso de pós-graduação sobre a teoria das cordas quando os resultados do estudo de Gauntlett foram divulgados na Internet. Ele decidiu dedicar uma aula para tratar das questões que o novo trabalho implicava, e depois atribuiu aos seus alunos como problema a questão da proteção cronológica. A idéia seria usar as ferramentas da teoria das cordas para eliminar alguns ou todos os cenários de viagens temporais que faziam parte da supergravidade pentadimensional.

Horava e um grupo de alunos decidiram trabalhar com um exemplo específico. Em 1949, o matemático Kurt Gödel encontrou uma solução para as equações de Einstein sob a qual o Universo não estava nem se expandindo nem se contraindo, mas girando rapidamente. Uma das conseqüências de viver em um Universo desse tipo é que seria possível, por meio de movimento na direção certa, chegar de volta ao ponto de partida em uma viagem antes que o viajante partisse. Na verdade, todos os pontos do Universo rotativo de Gödel existem no interior de uma curva fechada de caráter temporal.

O trabalho de Gauntlett indica que curvas fechadas de caráter temporal semelhantes permeiam a versão de supergravidade pentadimensional do Universo de Gödel. O grupo de Horava decidiu examinar as curvas fechadas de caráter temporal com a ajuda do princípio holográfico. Em sua versão mais simples, este afirma que toda a informação presente em um determinado volume de espaço pode ser representada como se existisse na superfície, ou "tela holográfica", que cerca esse espaço ("New Scientist", 27 de abril de 2002, pág 22). De acordo com o princípio holográfico, o que conhecemos como realidade é na verdade uma projeção de um holograma bidimensional.

Horava calculou que o princípio holográfico talvez tivesse alguma coisa a dizer sobre os problemas de informação apresentados pelas viagens no tempo. Assim, ele e seus estudantes aplicaram uma prescrição, calculada por Raphael Bousso, também de Berkeley, para descobrir onde está localizada a tela holográfica para qualquer solução dada da teoria geral da relatividade.

Proteja os olhos

Para sua surpresa, eles identificaram o problema quanto às viagens no tempo, no Universo de Gödel. Descobriram que, para cada observador possível no Universo de Gödel, existe uma tela holográfica que ou perfura qualquer curva fechada de caráter temporal ou a oculta do observador. Não só as curvas se tornam invisíveis como não se pode estudá-las por meio de qualquer experiência. Em um certo sentido, sugere Horava, a tela holográfica separa a realidade da ilusão, e as curvas fechadas de caráter temporal se localizam claramente do lado da ilusão. "Se a tela oculta do observador as violações da causalidade", diz Horava, "então nenhum observador no interior do Universo tem acesso a violações de causalidade".

Horava acautela que os resultados obtidos são limitados. Para começar, a holografia é uma ferramenta nova, e ainda mal compreendida, de modo que não seria necessariamente útil em situações mais complexas. E o resultado obtido para o Universo de Gödel só se aplica aos observadores que não estejam em movimento acelerado no espaço. Mas as descobertas de sua equipe apontam um caminho para lidar com um tipo específico de máquina do tempo, usando uma observação ligada à teoria das cordas.

Evidentemente, há outras máquinas do tempo a considerar. Entre as demais soluções mencionadas na análise de Gauntlett temos os buracos negros pentadimensionais giratórios conhecidos como buracos negros BMPV (em homenagem aos físicos Jason Breckenridge, Myers, Peet e Cumrun Vafa). Os buracos negros BMPV podem se tornar máquinas do tempo, mas só quando sua rotação for rápida o suficiente. Eles também são as contrapartes supergravitacionais dos buracos negros Kerr-Newman, bem conhecidos como máquinas do tempo sob as normas da teoria geral da relatividade. Dyson, que foi aluna de Horava, começou a imaginar até que ponto seria difícil construir um objeto como esse e propiciar-lhe a rotação necessária a atingir a velocidade desejada. Usando apenas um papel e uma caneta, ela deu início a uma tarefa que teria causado tremores aos deuses -construir um buraco negro pentadimensional giratório a partir do zero.

E de que maneira isso deve ser feito? Não é difícil, insiste Dyson; é mais ou menos como construir um buraco negro convencional. Você começa com o espaço vazio, e depois traz matéria de todas as direções, até que exista um volume suficiente em uma região pequena o bastante, e o buraco negro se forma. Da mesma maneira, diz ela, um buraco negro BMPV é composto de elementos constituintes trazidos de uma distância infinita, como uma concha que se contrai. Mas em lugar de matéria comum, os constituintes necessários são ondas gravitacionais e os chamados "D-branes". Os D-branes são criaturas da teoria das cordas, e a maneira mais fácil de compreendê-los é como membranas multidimensionais ou "hiper-superfícies" que habitam um contínuo espaço-temporal com 10 dimensões. No mundo matematicamente mais simples do buraco negro BMPV, os D-branes aparecem na forma de partículas e as ondas gravitacionais surgem como rugas no campo gravitacional (elas também podem ser consideradas resultados de partículas conhecidas como grávitons).

Quando os cálculos de Dyson reuniram esses constituintes para produzir um buraco negro BMPV teórico, ela descobriu um fenômeno interessante. No ponto do processo de montagem em que o buraco negro está à beira de se transformar em máquina do tempo, os blocos de construção deixam de se comportar como planejado. Em lugar de tudo convergir para o ponto, o sistema forma uma concha de grávitons, recheada de D-branes. Não há forma de manipulação matemática que consiga fazer com que os grávitons se aproximem mais. O resultado final do processo é que o buraco negro BMPV jamais se acelera a ponto de produzir uma curva fechada de caráter temporal que seja acessível.

Território proibido

Os resultados de Dyson sugerem que a maneira pela qual os D-branes e os grávitons se afetam uns aos outros -e o espaço que eles ocupam- cria um obstáculo às viagens temporais através de buracos negros TMPV. "É como se você estivesse tentando construir aquele último pedaço de sua máquina do tempo, e uma força o impedisse de mover a mão", diz Myers.

Como no caso do grupo de Horava, os resultados de Dyson só se aplicam a uma situação específica. Não podem ser encarados como prova universal da conjectura de Hawking. Por outro lado, eles demonstram que há ferramentas na teoria das cordas que podem interferir para evitar a existência de algumas espécies de máquina do tempo admitidas pela teoria geral da relatividade. "Determinar se a teoria das cordas usa o mesmo mecanismo para proibir outras espécies de viagem no tempo é algo que ainda está em investigação", afirma Dyson.

Mas porque a própria teoria das cordas continua incompleta, novas ferramentas para lidar com problemas como a proteção cronológica vão surgindo constantemente. Assim, estamos no começo do fim para as viagens no tempo? Os físicos teóricos continuam cautelosos quanto a um anúncio formal de que a possibilidade não existe. "Acredito que muitos dos pesquisadores da teoria das cordas ficariam felizes caso encontrássemos um mecanismo concreto que simplesmente proíbe a existência de curvas fechadas de caráter temporal", diz Myers. "Por outro lado, talvez em outras situações as curvas fechadas de caráter temporal existam, e temos de enfrentar todos os paradoxos e problemas que isso acarreta".

Peet também mantém a reserva quanto à questão. "Até agora, tivemos bastante sorte, mas acredito que ainda restem dúvidas bastante persistentes entre as pessoas que trabalham nessa área", diz ela. "Talvez existam exemplos de violações cronológicas que a teoria das cordas não seja capaz de impedir. Esperamos que isso não seja verdade".

Os escritores de ficção científica esperam o contrário. Até mesmo Peet, fã devota da série "Jornada nas Estrelas", admite um pesar passageiro diante da perspectiva de que as viagens no tempo sejam afinal impossíveis. "Se alguém construísse uma espaçonave capaz de viajar no tempo, eu seria a primeira a embarcar em uma missão de turismo", diz. "Quando compreendi que isso talvez não venha nunca a ser possível, fiquei um pouco triste", acrescenta. "Mas superei".


 

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