"Superchips" irão revolucionar a eletrônica doméstica


David Freedman
Technology Review


Na Philips Electronics, da Holanda, os pesquisadores estão perseguindo a solução para um dos grandes problemas da vida moderna: ter de vasculhar centenas de canais de televisão em busca de algum programa para assistir. A resposta do laboratório é um televisor que reconhece o usuário quando ele entra na sala, sabe que ele gosta de filmes de suspense sobrenatural, descobre um gravado automaticamente às três da manhã e o coloca em exibição na tela. Em janelas menores poderão ser assistidas reportagens sobre uma empresa britânica na qual a companhia do telespectador acaba de investir, a página da Web contendo um leilão do eBay no qual ele está interessado e um vídeo contendo imagens de alta resolução gravado em seu celular horas antes. Vontade de trocar de canal? Diga em voz alta o que deseja, ao televisor.

Talvez a melhor característica desse talentoso aparelho seja o fato de que, dentro de sete anos, você poderá comprá-lo por preço semelhante ao pago por um televisor "burro" atual. A Philips já demonstrou esse tipo de recurso em seu laboratório, e recentemente lançou um protótipo semi-inteligente. "Já podemos produzir um televisor quase integralmente digital que permitiria acrescentar funções por meio de software, com custo razoavelmente semelhante ao de um aparelho analógico convencional", diz Theo Claasen, vice-presidente de tecnologia do grupo de semicondutores da empresa.

Terminamos por aceitar como dado que a indústria de eletrônica continue nos propiciando produtos novos e melhores, e podemos apostar com segurança que esse processo não vai se desacelerar no futuro próximo. Os produtos eletrônicos são em larga medida definidos pelos microprocessadores que os acionam, e o poder e velocidade desses chips continua a crescer exponencialmente. A espantosa persistência da Lei de Moore, a previsão realizada quase 40 anos atrás por Gordon Moore, co-fundador da Intel, de que o número de transistores em um chip seria duplicado a cada 12 a 18 meses significa que os chips avançaram de uns poucos milhares de transistores, três décadas atrás, para além dos 100 milhões, agora, enquanto o preço por transistor caiu de US$ 1 para um milionésimo de centavo. E já que a densidade de transistores se traduz, grosso modo, na forma de velocidade de computação e comunicação, podemos agradecer à Lei de Moore por inovações como as compras online, os sistemas de navegação digitais para automóveis e os celulares de baixo preço. "Os transistores são grátis", diz Krishnamurthy Soumyanath, diretor de pesquisa de circuitos de comunicação na Intel. "Podemos resolver problemas simplesmente aumentando o número de transistores empregados".

A despeito das perenes advertências dos céticos quanto à futura perda de validade da Lei de Moore, a indústria está preparada para se manter fiel a essa norma por pelo menos mais três gerações de microprocessadores, que devem ser lançadas ao longo dos próximos seis anos. No momento, os processadores de silício mais rápidos disponíveis ao consumidor tem 90 nanômetros de largura. Antes do final de 2005, os fabricantes esperam começar a produzir processadores com 65 nanômetros de largura, e os planos para reduzi-los aos 45 nanômetros a partir de 2007 já estão em desenvolvimento.

A miniaturização significa que mais transistores podem ser comprimidos em um único chip. Isso torna os microprocessadores mais rápidos, em parte por reduzir a distância que os elétrons têm de percorrer entre um transistor e outro. Ela também torna os chips de memória mais potentes. Hoje, os microprocessadores mais velozes disponíveis ao consumidor têm cerca de 180 milhões de transistores e operam com velocidade de cerca de três gigahertz ou, em termos gerais, três bilhões de operações simples por segundo, enquanto os chips de memória de acesso aleatório (RAM) adjacentes detêm dois gigabytes de memória ou mais. Em 2007, os processadores terão mais de um bilhão de transistores, e chegarão a velocidades de 10 gigahertz, com RAM da ordem de alguns gigabytes. Com potência e memória dessa ordem, os computadores pessoais serão capazes de transportar usuários a mundos online ultra-realistas, sustentar conversações (pelo menos sobre certos assuntos) e realizar buscas rápidas na coleção de vídeos de férias da família para localizar o exato momento em que a canoa vira com o tio Arnold a bordo.

Prever que outras espécies de aparelho resultarão dessa explosão de poder de computação termina sendo, evidentemente, a pergunta de US$ 64 mil -ou melhor, no caso, a pergunta de US$ 64 bilhões. Por mais presciente que fosse quanto aos chips, nem Gordon Moore conseguiu prever o computador pessoal ou a Internet, para não falar dos organizadores pessoais ou dos celulares inteligentes. Os videofones domésticos e os computadores em forma de caneta, por outro lado, continuam longe do radar dos consumidores, apesar da promoção que recebem na mídia e no entretenimento já há décadas. "Se 10 anos atrás alguém viesse nos falar sobre a World Wide Web, players de MP3 e câmeras de vídeo que cabem na palma da mão, ninguém acreditaria", alega Jeffrey Bokor, professor no departamento de engenharia elétrica e ciências da computação da Universidade da Califórnia em Berkeley. "O que viremos a testemunhar ao longo dos próximos anos será igualmente difícil de imaginar".

Filmes por telefone

Mas muitos especialistas estão dispostos a arriscar palpites. No topo de quase todas as listas está o telefone celular, que parece a ponto de passar por uma radical transformação. Para começar, diz Peter Kastner, pesquisador chefe do Aberdeen Group, uma empresa de pesquisa de mercado sediada em Boston, os celulares portarão todos os recursos necessários para comunicação em diversas freqüências e sob diversos códigos de codificação diferentes, de modo que serão capazes de procurar constantemente os canais de comunicação que lhes ofereçam o melhor volume de transmissão de dados pelo menor custo.

Isso significa que os novos aparelhos receberão dados 20 vezes mais rápido do que os celulares atuais, ou talvez com velocidade ainda maior, sem que suas contas disparem de maneira comparável. Para lidar com esse ritmo de transferência de dados, os celulares operarão em freqüências de dois ou mais gigahertz, bem acima das faixas utilizadas pela maioria dos aparelhos atuais. Essa migração não oferecia bom custo/benefício, até recentemente, porque os circuitos analógicos que processam os sinais de áudio e vídeo tradicionais requeriam projetos e materiais especializados em seus transistores. Os circuitos analógicos são também sensíveis ao "ruído" eletrônico dos circuitos digitais, o que implica que sejam mantidos em geral separados em chips distintos, um arranjo dispendioso e ineficiente que limita a capacidade dos aparelhos para operar com sinais ultra-rápidos. Mas agora, graças aos avanços de desempenho que derivam do arranjo mais denso de transistores em cada chip, os circuitos digitais estão começando rapidamente a imitar muitas das funções dos circuitos analógicos, incluindo o trabalho com sinais de rádio em rápida mutação e de alta largura de banda. "Podemos apanhar um sinal de rádio analógico diretamente de uma antena e rapidamente transformá-lo em lógica digital", diz Dennis Buss, vice-presidente de desenvolvimento de tecnologia em base de silício para a Texas Instruments, que já está lançando aparelhos sem fio integrados e de chip único baseados nessas novas técnicas.

Com suas conexões praticamente de banda larga, esses novos celulares permitirão navegação rápida e de ótima resolução pela Web, e até mesmo vídeo em tempo real com qualidade passável, o que significa que podem incorporar câmeras de vídeo para gravação, videoconferência e uso de videogames sofisticados, e possivelmente até permitir que filmes sejam assistidos em suas telas. As máquinas também serão mais inteligentes, assumindo parcela cada vez maior das funções dos organizadores pessoais e até mesmo dos computadores, entre as quais as compras online, os serviços de e-mail e recursos de agenda, além de oferecerem sistemas de navegação com mapas detalhados, acessíveis em modo de voz. No momento, cerca de metade dos transistores de um celular são empregados para interagir com o usuário, e não para o processamento de ligações, mas Claasen, da Philips, diz que o número de transistores dedicados ao usuário será ampliado por um fator de 10 ao longo dos próximos anos. Isso "estimulará um novo ciclo de aquisição de celulares", prevê Kastner.

E não são apenas os celulares que se beneficiarão do progresso nos microprocessadores. Os computadores pessoais e outros aparelhos também se tornarão mais fáceis de usar. À medida que os aparelhos e redes ganham em inteligência, o usuário não precisará lhes dedicar tanta atenção. Isso é crítico para sua aceitação, diz James Meindl, diretor do Centro de Pesquisa de Microeletrônica no Instituto de Tecnologia da Geórgia. "Até o momento, não dispúnhamos de recursos eletrônicos suficientes para tornar a operação dessas máquinas completamente simples", diz.

Tomemos os televisores como exemplo. No aparelho que a Philips está planejando, diz Claasen, por volta de 80% do poder de computação do chip principal serão usados não para processamento de imagens, mas para acionar uma interface adaptativa que montará conteúdo com base em múltiplas fontes adequadas aos hábitos de consumo dos telespectadores, e lhes oferecerá escolhas no formato que lhes for mais confortável. Os televisores se tornarão tão dependentes do poder de computação, diz Claasen, que em breve os consumidores poderão comprá-los da forma como selecionam seus computadores, agora, de acordo com a velocidade de processamento, tamanho da memória e capacidade de comunicação, e não por sua funcionalidade, que será provida por meio de software passível de atualização automática via Internet.

E podem se despedir de incômodos como ter que abrir caminho na marra por quatro telas de opções antes de fazer com que seu organizador pessoal mostre o nome pelo qual estiverem procurando. A maior parte dos problemas de facilidade de uso desaparecerá, diz Kastner, do Aberdeen, quando os produtos eletrônicos começarem a entender comandos em inglês (ou finlandês, ou mandarim) básico. O reconhecimento de fala é muitas vezes retratado como problema de software, mas na verdade é possível resolvê-lo com a aplicação de capacidade muito aumentada de computação, em termos de processamento e memória, um recurso que a geração vindoura de chips com certeza oferecerá. Os aparelhos e dispositivos portáteis capazes de aceitar comandos simples por voz já estão chegando ao mercado e, de acordo com Kastner, as máquinas ganharão capacidade de manter conversas rudimentares com seus usuários, por volta de 2010. "Com toda essa potência, pode-se empregar algoritmos múltiplos para resolver um problema", explica ele. "Não teremos todas as capacidades do computador HAL, como no filme '2001', mas chegaremos perto disso".

Patrick Gelsinger, vice-presidente de tecnologia da Intel, diz que os laboratórios da empresa já obtiveram melhoramentos significativos em reconhecimento de voz, ao usar microfones múltiplos para acrescentar uma dimensão direcional à informação sonora que chega ao software, e ao adotar capacidade de leitura de lábios via câmera de vídeo. "Se as casas deixarão de ter quatro computadores e passarão a ter 400 deles, precisamos facilitar muito o uso dos 396 adicionais", diz ele. Essa facilidade de uso cada vez maior, acrescenta ele, resultará em larga melhora na velocidade dos microprocessadores, com lançamentos iniciais já previstos para os próximos modelos.

A mágica do silício

Que avanços importantes permitirão que o setor de semicondutores dê saltos como os descritos acima? Na realidade, nenhum. Os especialistas concordam, quase todos, em que as três próximas gerações de microprocessadores simplesmente estenderão as propriedades já familiares do silício. Isso não implica ausência de inovações dramáticas prontas a chegar ao mercado, incluindo o uso de materiais ainda mais exóticos para os microprocessadores, a exemplo do germânio e do fosfito de índio, e de técnicas para aglutinar camadas de transistores em chips tridimensionais. Mas não podemos deixar de considerar que a indústria optará por fazer o que puder com o silício, porque é um método mais barato. "A cada vez que alguém desenvolve novos materiais funcionais ou estruturas exóticas para os aparelhos, os pesquisadores que trabalham com o silício conseguem se equiparar a esses avanços", diz Bokor, de Berkeley. "Existe forte interesse, na indústria, em adotar o ritmo menos radical possível para as mudanças".

Os fabricantes de chips terão de adotar algumas modificações importantes em seus métodos atuais, a começar do processo fotolitográfico usada para traçar os padrões dos circuitos quimicamente nos chips. Nas máquinas de fotolitografia, lentes concentram um feixe de luz ultravioleta que atravessa uma máscara perfurada com o modelo dos circuitos e grava padrões em bolachas de silício revestidas de um material fotossensível. As máquinas de fotolitografia usadas para produzir os chips atuais não tem precisão suficiente para gravar circuitos de 65 nanômetros. Mas técnicas novas e de maior resolução estão sendo definidas, por exemplo a adoção de grades ultrafinas que dividem e recombinam os feixes de luz, de modo que possam se reforçar mutuamente nos pontos em que luz é necessária e se cancelar nos demais. Para chegar a dimensões de 45 nanômetros e menos, os fabricantes podem adotar máquinas, em desenvolvimento no momento, que empregam ou luz ultravioleta extrema, que tem comprimento de onda inferior e pode ser usada para gravar circuitos menores, ou feixes de elétrons, que podem ser controlados com extrema precisão e gravar circuitos diretamente no silício, sem o uso de uma máscara.

Novas formas de silício também podem ajudar. Por exemplo, os chips terão sua velocidade estimulada pelo silício depositados sobre uma camada de germânio silícico, cujos átomos fazem com que os átomos ligeiramente desalinhados do silício puro se estiquem um pouco. Esse silício "esticado" acelera a jornada dos elétrons pelos transistores. Um estímulo adicional virá do acréscimo de uma camada de material isolante sob as camadas semiconducentes, reforçando ainda mais as suas propriedades elétricas. A AMD, fabricante de microprocessadores, registrou avanços de velocidade da ordem de 25% e 30%, respectivamente, para as duas técnicas. A IBM e a Intel já começaram a produzir chips com silício estendido, e a IBM informa que produtos combinando silício estendido e silício com camada isolante podem chegar ao mercado dentro de alguns anos.

Os transistores também estão passando por transformação. À medida que suas dimensões se reduzem, aumenta a probabilidade de que elétrons escapem ao curso pretendido e vazem pelas barreiras, mesmo quando o transistor está supostamente desligado. Esses vazamentos causam desperdício de energia e interferem com a capacidade dos transistores para alternar confiavelmente entre seu estado 0 e seu estado 1, e o problema deve se agravar ainda mais. Para deter esses vazamentos, a indústria está recorrendo a um projeto de transistor ligeiramente diferenciado, do qual Bokor e seus colegas em Berkeley, Tsu-Jae King e Chenming Hu, foram pioneiros no final dos anos 90.

Em um transistor convencional, o principal ponto de vazamento é um canal de material comprimido entre a fonte e o dreno, dois grandes blocos de silício que definem os principais pontos de entrada e saída de elétrons. Uma estrutura conhecida como portão fica por sobre o canal, como uma ponte se estendendo por sobre um rio.Quando uma voltagem positiva é aplicada ao portão, elétrons com carga negativa são atraídos para ele, o que abre caminho para que mais elétrons fluam pelo canal da fonte para o dreno. O problema, com a redução do tamanho dos transistores, é que os elétrons podem escapar pelo fino canal mesmo que o portão não tenha carga. O projeto de "barbatana" do grupo de Berkeley reduz o vazamento ao elevar o transistor inteiro para fora da superfície do silício, e dar ao canal um novo formato, como uma barbatana estreita e vertical que se estende da fonte ao dreno, semelhante ao traço central de uma letra H. A barbatana está montada sobre material isolante, o que reduz o vazamento de elétrons, e o portão se dobra por sobre a barbatana, tocando-a em ambas as superfícies verticais, o que duplica o efeito da voltagem positiva. A Intel já está adotando uma variante desse projeto, que deve chegar ao mercado em microprocessadores lançados por volta de 2007.

Uma vantagem adicional dos materiais de alto desempenho e dos novos projetos de transistor é que elas tornam possível operar chips a voltagens menos elevadas. Isso reduz o consumo de energia e conseqüentemente o risco de superaquecimento, que usualmente aumenta acompanhando a densidade dos chips.

A realidade nas fábricas

Novas gerações de microprocessadores muito mais poderosos não são uma conseqüência inevitável da situação atual. Mesmo que os chips saiam das linhas de montagem com o desempenho avançado esperado, é possível que o setor encontre dificuldades para manter os custos baixos o bastante para que celulares e televisores continuem parecendo pechinchas. O problema é a disparada dos custos de construção de uma fábrica de chips de primeira linha, que já ultrapassou os US$ 3 bilhões e está ao alcance apenas de talvez uma dúzia de empresas no mundo.

Evidentemente, os produtores de eletrônicos muito vendidos conseguirão diluir os custos iniciais na produção de dezenas de milhões de chips, o que permitirá manter os preços baixos, pelo menos para alguns produtos. Mas os custos crescentes das fábricas de chips poderiam gerar outro problema para os consumidores: encontrar produtos em estoque. O investimento de capital no setor de semicondutores caiu em cerca de 50% devido à crise econômica dos últimos anos, e os observadores vêm prevendo que a indústria enfrentará escassez de capacidade de fabricação de chips, no momento mesmo em que disparar a demanda dos consumidores por aparelhos de nova geração.

"Todo mundo presume que o setor seja capaz de oferecer a capacidade de produção necessária, qualquer que seja", diz Richard Gordon, vice-presidente de pesquisa da divisão de semicondutores do Gartner Group, uma empresa de pesquisa de mercado. "Mas ampliar a capacidade é difícil, e com a produção concentrada em algumas empresas apenas, isso será um problema".

Mas existem bons motivos para apostar que o setor superará esse, bem como outros, obstáculos que surjam em seu caminho. Afinal, a capacidade do mundo dos chips para provar que Moore estava certo, ano após ano, sem ter de realizar o assustador salto do silício para uma nova tecnologia, vem desafiando até mesmo as expectativas mais otimistas. "Não importa quais sejam os obstáculos, o setor é capaz de realizar milagres", disse Steve Jurvetson, diretor executivo do fundo Draper Fisher Jurvetson de capital para empreendimentos.

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David H. Freedman é autor de cinco livros, e seu mais recente artigo para a revista foi "Pinpoint Weather" [Tempo Localizado], em junho de 2003.



Tradução: Paulo Migliacci

 

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