Portais corporativos: entre sonho e realidade

Autor: Ricardo Saldanha
rsaldanhaf@ig.com.br


Conferência da IBC revela estágio de evolução das intranets brasileiras

Nos dias 17 e 18 de março, ocorreu, em São Paulo, a terceira edição da Conferência sobre Portais Corporativos, promovida pela IBC e pela Informal Informática, com apoio da Câmara e-net.

Tive a honra de cobrir o evento, a convite, tendo oferecido um visão resumida de todas as palestras no meu blog, Intra, em “tempo real” (não deixe de conferir).

Agora, passado o calor do momento, é hora de refletir sobre tudo que foi apresentado, lançando um olhar em perspectiva sobre os rumos dos Portais Corporativos em terras brasileiras e procurando, com isso, formar massa crítica sobre esta área – objetivo maior deste artigo.

Diretivas na diversidade

O evento contou com apresentações de dez casos de empresas, nacionais e multinacionais. Também havia representantes de instituições públicas e empresas privadas.

Para um observador desatento, poderia ficar a sensação de que a diversidade era total, já que, aparentemente, cada empresa segue um caminho próprio. Muito embora, de fato, não exista “fórmula de bolo” para criação de um Portal, algumas diretivas importantes puderam ser identificadas:

Perfil e Personalização, palavras-chaves. Um dos grandes objetivos de um Portal Corporativo é, sem dúvida, estabelecer filtros eficientes para que o turbilhão de informações, que nos paralisa, seja estruturado e racionalizado. Trata-se do mesmo conceito de just in time, tão famoso na área de logística: entregar a mercadoria (informação) certa, no tempo certo, para a pessoa certa. E isso só é possível quando se estabelece um perfil, por colaborador, de acesso à rede interna. Somente a partir deste mapeamento de cargos, funções, interesses e conhecimentos críticos é que o just in time da informação pode se tornar realidade. Assim, pode-se não só direcionar o que cada um acessa e vê, como também criar agentes inteligentes (como bem demonstrou o caso da Soft Consultoria), levando de maneira automática a informação precisa aos funcionários certos. Assim, parece ser cada vez mais urgente a implantação de perfis para que os portais possam avançar em uma de suas missões.

Tática evolutiva, uma constante. Ao menos uma unanimidade pôde ser constatada: todas as iniciativas têm a evolução gradativa como marca. Isso significa que as intranets estão, de fato, transformando-se aos poucos em Portais Corporativos, agregando gradativamente suas principais funcionalidades e vantagens. Diante de um cálculo de ROI difícil e de orçamentos apertados, nenhuma empresa está se aventurando na criação de um Portal Corporativo a partir do zero (mesmo porque trata-se de uma tarefa complexa e de médio/longo prazo). Pesa também na opção pela tática evolutiva a necessidade de um processo de gestão de mudanças – que também não é rápido – para que a empresa passe a ter o conhecimento como foco e para que cada colaborador assuma uma nova postura, com novas responsabilidades.

Conhecimento tácito, um esquecido.... Não é novidade para ninguém que a informática trata melhor dados estruturados e lógicos do que não-estruturados e inferências. Assim, não é uma surpresa total notar que os projetos, em sua maioria, estão muito mais focados na estruturação das informações existentes, tentando colocar ordem no caos. Poucos dão a devida ênfase à criação de oportunidades para troca de conhecimento tácito, visando estimular a inovação e aproximar talentos (apenas a Votorantim Cimentos e a PricewaterhouseCoopers demonstraram compreensão e preocupação consistentes com este item, oferecendo ferramentas tecnológicas e uma visão correta da importância do conhecimento tácito, além de metodologias e mecanismos consistentes de estímulo ao compartilhamento).

Intranet ou Portal Corporativo?. Dos casos apresentados na Conferência, nenhum configurou um Portal Corporativo em seu sentido pleno. Muitos configuravam, em verdade, intranets de segunda geração (onde temos, ao lado de um repositório de dados e informações, muitos serviços, quase sempre com foco exclusivo no público interno). Quando havia forte integração de processos, estes estavam restritos a uma área da empresa. Quando, ao contrário, abrangiam toda a empresa, pouca atenção era dada para o estímulo à troca de conhecimento tácito e sua conversão em explícito. E assim por diante. A maioria, por exemplo, não dispunha de um item primordial na diferenciação entre intranets e Portais, já citado no primeiro item desta lista: a personalização baseada em perfil.

Portais Corporativos e Gestão do Conhecimento

Terminados os dois dias de palestras, a sensação mais forte que ficou foi a de que duas vertentes parecem mesmo se consolidar.

A primeira – minoritária no evento, infelizmente – vê os Portais Corporativos como infra-estrutura para a Gestão do Conhecimento (GC), “disponibilizando informações estratégicas que alavanquem a competitividade das empresas”, como bem destacou o presidente da mesa, Eduardo Lapa, da Informal, na abertura dos trabalhos. Para se ter uma idéia, a construção do Portal em um contexto explícito de Gestão do Conhecimento, com igual ênfase em pessoas, processos e tecnologia, só ficou evidente nas apresentações da Soft Consultoria, da PricewaterhouseCoopers e da Votorantim Cimentos.

A segunda corrente, representada pela maioria dos casos, ainda vê os Portais por um viés reducionista, ora sendo uma “ferramenta de organização”, ora um “canal de comunicação” (muitas vezes de mão única). Evidentemente, Portais podem e devem facilitar estas duas áreas, mas restringir-se a isso é muito pouco diante do seu potencial.

Se olharmos as quatro diretivas traçadas no início do artigo, veremos que elas refletem claramente esta divisão. Afinal, quando Portais Corporativos são vistos fora do contexto de GC, dificilmente avançam além do oferecimento de manuais e serviços (e, portanto, são apenas intranets). Se o foco central não é o conhecimento, poucos avanços acontecem no sentido da criação de perfis, com conseqüente personalização de conteúdo. O conhecimento tácito fica relegado a um segundo plano e a preocupação com custos (fundamental, claro) norteia as ações, já que não há, aparentemente, a tentativa de vender para a alta direção um projeto que agregue valor ao negócio como um todo, mas sim de obter “mais recursos para a área de informática”.

Por sinal, outra constatação, quase uma unanimidade, é a de que os Portais (ou intranets) ainda são uma iniciativa do setor de TI das empresas, o que também – geralmente – não é bom. Apenas 10% dos participantes da Conferência, por exemplo, eram da área de Comunicação, Marketing ou RH, dando bem a dimensão da visão que as empresas ainda têm sobre os portais. Quando a informática está à frente, muitas vezes prevalece a visão da ferramenta como um fim em si mesma, além da tentativa de criar-se regras rígidas demais, tentando substituir a motivação e a conquista do público interno por uma espécie de “ditadura de participação” (claro que estou fazendo uma generalização, que sempre contempla honrosas exceções). Foca-se na tecnologia, com alguma preocupação com processos, mas esquece-se da outra ponta do tripé: as pessoas. É urgente, portanto, que os Portais sejam vistos como uma tarefa multidisciplinar, focada em agregar valor ao negócio, em última instância.

Sonho

Na grande maioria das empresas brasileiras (e até estrangeiras), falar em Portais Corporativos, hoje, é falar em uma utopia – uma meta a ser alcançada. Claro está que este tipo de afirmação tem como referencial uma visão de “portal corporativo perfeito” – algo por si só polêmico, mas que estimula os debates e nos ajuda a focar melhor o futuro.

Dos casos apresentados, por exemplo, nenhum deles consegue reunir todas as características a seguir, que me parecem essenciais a um Portal Corporativo:

– repositório de informações;
– serviços;
– comunicação bidirecional;
– personalização de conteúdo;
– processos bem definidos e fortemente interligados via portal;
– tratamento de conhecimento explícito e tácito;
– integração com parceiros externos e clientes finais.

Muitos são fortes em alguns itens, mas pecam em outros. Sem que todos estes enfoques estejam presentes podemos falar em Portal Corporativo? Creio que não.

Seguindo este objetivo de identificar o que seria este “Portal Corporativo ideal”, arrisco-me a dizer que só mereceriam essa denominação aqueles que estiverem imersos em um projeto e em uma filosofia de Gestão do Conhecimento.

Talvez seja essa a maior diferença das intranets de terceira geração (que chamamos de Portal Corporativo) para uma intranet: enquanto que o foco do primeiro é filtrar, direcionar, dinamizar e estimular a troca de informações e sua conversão em conhecimentos, as intranets estão mais preocupadas em economizar o tempo perdido na busca de informações ou na execução de serviços – algo também importante, mas sem dúvida um desafio menor, se confrontado com o primeiro.

Ou seja: quando um Portal Corporativo está inserido em um programa ou atividade de Gestão do Conhecimento, sua importância e seus benefícios transcendem – e muito – a soma de suas funcionalidades. É nesse contexto que ele deixa de ser uma intranet ou “mais um software” e ganha uma dimensão maior.

Realidade

Entretanto, isso não significa que as empresas que enviaram seus palestrantes não estejam, desde já, auferindo benefícios – muitas vezes excelentes – com seus portais, independente de como serão nomeados (um debate um pouco mais “acadêmico”, mas de suma importância).

A Cargill Fertilizantes, por exemplo, integrou intranet, extranet e internet, com grande enfoque em CRM, BI e apoio à força de vendas – mas pouco focou na utilização do Portal na área de Comunicação Interna. Isso faz da solução deles algo ruim? Evidentemente que não, principalmente porque está agregando valor direto ao negócio.

O mesmo ocorre com a Vivo: muito embora o seu “Portal RH” seja exclusivo de Recursos Humanos, como o próprio nome indica, é uma solução extremamente integrada do ponto de vista de processos e tecnologias, tendo como pano de fundo toda uma filosofia de gestão de pessoas, onde os funcionários são vistos efetivamente como clientes internos. Assim, o fato de não abranger todas as áreas da companhia não desqualifica em nada o trabalho, que agrega muito valor à empresa.

Portanto, o fato de que alcançar o estado da arte ainda é um objetivo futuro só confirma duas coisas:

1. Criar um Portal Corporativo é, sem dúvida, um processo complexo e, sobretudo, evolutivo;

2. Conquistamos grandes avanços em tecnologia e processos, mas a evolução do “fator humano” e das suas formas de organização são muito mais lentas.

Visto isso, não é difícil constatarmos que ainda é comum utilizarmos novas ferramentas, cheias de potencial – como os Portais Corporativos –, de uma maneira restrita, seja porque nossos velhos paradigmas não nos permitem enxergar mais adiante, seja porque ainda não houve tempo, investimento e/ou maturação suficientes no mundo corporativo para que todas as funcionalidades transformem-se em realidade.

Price e Votorantim: sonho + realidade

Os casos que mais me chamaram a atenção foram os da PricewaterhouseCoopers e o da Votorantim Cimentos. Eles foram os que mais reduziram a distância entre o “Portal Ideal” e o “Portal Real”, unindo filosofia de trabalho a resultados práticos e benefícios excelentes para a organização.

Embora o grau de evolução do Portal da Price seja muito maior do que o da Votorantim, ambas apresentaram o maior de todos os diferenciais: a inserção da ferramenta em um contexto mais amplo, onde a Gestão do Conhecimento norteia as ações e as opções. E isso sem abrir mão do foco no negócio e no resultado, é bom que se diga.

Outro fato interessante: enquanto na Price a solução apresentada é bastante complexa, provavelmente envolvendo investimentos de peso, a Votorantim demonstrou que é perfeitamente possível criar um ambiente de estímulo à Gestão do Conhecimento com poucos recursos, desde que se tenha clareza dos objetivos e criem-se interações eficientes das pessoas entre si e dos sistemas utilizados.

Cada um a seu modo, focando em suas prioridades e tendo a GC como bússola, as duas empresas parecem estar caminhando com um Norte muito claro, o que as diferencia das demais, onde muitas vezes fica a sensação de que o portal (ainda) não é maior do que a mera soma de suas funcionalidades.

Missão: estimular a formação de massa crítica

Por fim, é importante destacar que a visão crítica aqui apresentada pretende-se sempre construtiva. Constatar que o momento atual ainda é de amadurecimento em nada denigre o evento nem tampouco os casos apresentados. Ao contrário: o grande mérito da Conferência é justamente possibilitar esta visão panorâmica, realizando uma fotografia do presente que nos permite pensar e sonhar, com olhar crítico, o futuro – objetivo permanente desta coluna.

Em verdade, para quem está de alguma maneira interessado em intranets e Portais Corporativos, a perspectiva que a Conferência trouxe vem reforçar alguns sentimentos que temos – e que com freqüência surgem nos debates da WI Intranet, lista de discussão que modero, focada no tema, e que já conta com mais de 400 participantes. A constatação maior é uma só: a luta das empresas, hoje, ainda é o de ampliar o poder das intranets, rumo ao Portal Corporativo.

Assim, aqueles que, como os palestrantes, estão construindo, na prática e na adversidade, suas iniciativas de intranets e portais merecem não só todo nosso respeito como principalmente nossa admiração. Estão todos, portanto, de parabéns, principalmente a IBC que, como sempre, ofereceu organização e infra-estrutura perfeitas. Parabéns também à Informal Informática, pela iniciativa. E meus sinceros agradecimentos aos amigos da IBC, em especial ao Marcelo Toledo, que me proporcionou a participação para cobertura do evento. Espero estar colaborando para que seus desdobramentos sejam os mais positivos possíveis, já que isso favorece a todos envolvidos no processo de evolução dos portais corporativos. [Webinsider]

Originalmente publicado no site Webinsider
http://webinsider.uol.com.br/vernoticia.php/id/2084"

 

 

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