Duas redes, um telefone

Na impossibilidade de neutralizar o inimigo, una-se a ele. O antigo adágio popular descreve com precisão as estratégias de convergência fixo-móvel que vêm sendo anunciadas pela Brasil Telecom e Telemar, juntamente com BrT GSM e Oi, seus respectivos braços na área móvel. Confrontados com a debandada de clientes e tráfego para a telefonia celular, os dois grupos esperam que suas concessionárias se beneficiem com uma série de serviços lançados, ou prestes a ser lançados, por suas parentes móveis. Em comum, eles têm o fato de embaralhar os conceitos fixo e móvel.

Várias ofertas, que ensaiam diferentes níveis de convergência, já estão no mercado. São fruto do que se denomina “sinergia” entre empresas do mesmo grupo. Mas o ponto alto ainda está por vir: o lançamento de um telefone híbrido que pode ser usado tanto para ligações fixas quanto móveis. A idéia por trás dessa inovação é a seguinte: o cliente pode escolher que seu celular funcione como fixo em determinadas áreas, o que significa pagar tarifas menores. Com isso, a operadora fixa garante fluxo de tráfego e de receitas. De quebra, ganha argumento tecnológico atraente o suficiente para, por exemplo, convencer usuários que só têm celular a adquirir uma linha fixa.

 

E o que ganham as operadoras móveis ao permitir a canibalização dos seus serviços de voz? Aparentemente, elas esperam que a economia de gastos com telefone e a comodidade de usar um único aparelho sejam isca apetitosa o bastante para reter e atrair novos clientes. E não apenas os da concorrência, mas também aqueles da sua co-irmã fixa que ainda não se animaram a comprar um celular. É uma mão lavando a outra, como diz outro ditado. E, na impossibilidade de estancar a migração de tráfego e de dinheiro, pelo menos que fique tudo em família.

 

Esse tipo de convergência não é necessariamente uma novidade no mundo. Na última década, diversas operadoras, notadamente na Europa, desenvolveram e implementaram projetos de convergência fixo-móvel. Mas muitos deles foram descontinuados, em geral pelas limitações tecnológicas, pelos preços elevados ou pela ausência de um modelo de negócios adequado. Foi o caso da British Telecom, que lançou em 1999 um aparelho que, na área de alcance da rede móvel, funcionava como celular GSM; e próximo a uma base DECT (Digital European Cordeless Telecommunications), a um comando do usuário, virava telefone fixo. O serviço não deu os resultados esperados e foi encerrado.

 

Agora, a British Telecom voltou à tona com o projeto BT Bluephone, com previsão de lançamento para a próxima primavera (entre março e maio, no hemisfério Norte). Desta vez, o telefone híbrido une GSM e Bluetooth, um padrão wireless que conecta diversos dispositivos de comunicação num raio que hoje, em sua versão classe 1 (usada nesse projeto), pode atingir até 100 metros . A operadora britânica trabalha em conjunto com Alcatel, Ericsson e Motorola no desenvolvimento de padrões Unlicensed Mobile Access (UMA). Para ganhar mais tempo e convencer fabricantes a adotar o UMA, a British Telecom chegou a postergar o lançamento do projeto Bluephone.

 

A abordagem tecnológica da British é a mesma que está sendo testada pelas empresas de telefonia brasileiras. Aqui, elas trabalham em parceria com a inglesa Sendo, fabricante do aparelho dual fixo-móvel.Trata-se de um celular convencional, com a diferença que carrega recursos que permitem alternar a rede que será usada pelo cliente. Para que isso seja possível, antenas, ou pontos de acesso, são instalados nos diversos locais escolhidos pelo usuário (escritório, residência etc).Tais antenas, que podem ser acopladas tanto a linhas fixas convencionais quanto a PABX, detectam a presença do telefone híbrido no ambiente e migram de um sistema para outro. Essa migração é automática, a critério do cliente.Trata-se de evolução importante em relação às primeiras iniciativas, que exigiam comando manual do usuário.

 

Por aqui, Brasil Telecom e Telemar disputam o título de pioneiras da convergência fixo-móvel. Tanto a Oi quanto a novata BrT GSM já oferecem produtos e serviços que incorporam algum grau de sinergia. Mas o telefone híbrido, assim como aparelhos fixos capazes de receber e enviar mensagens curtas e multimídia, ainda estão em fase de testes, e não devem chegar às prateleiras antes do Natal.

 

Enquanto isso, a idéia de misturar o telefone fixo, feito para uso coletivo, com o celular, de uso estritamente pessoal, gera opiniões divergentes quanto à possibilidade de sucesso. A ala dos mais cautelosos alerta para o fato de o serviço ainda não ter sido devidamente validado do ponto de vista mercadológico, nem mesmo fora do País.

 

Nessa ala está Rodrigo Dienstman, vice-presidente da GVT. Ele não acredita que o aparelho dual trará vantagem competitiva para qualquer operadora. “Combina coisas incompatíveis, de naturezas completamente diversas”, opina (ressalte-se que a GVT, uma empresa-espelho que atua na área da Brasil Telecom, não tem operação móvel, ao contrário da Telemar e da Brasil Telecom).

 

A oferta de serviços de mensagem curta (SMS) via telefone fixo chegou a ser considerada pela GVT. “Descartamos. Imagine mensagens pessoais chegando em um aparelho que é para toda a família”. Por outro lado, a empresa-espelho aposta alto em telefonia IP e parcerias entre empresas. “Estamos negociando com três operadoras móveis a compra de minutos e, com isso, iremos agregar o serviço de celular ao nosso portfólio”, adianta.

 

À espera de aparelhos

 

Alheia às dúvidas do mercado, a BrT GSM já anunciou a novidade aos quatro ventos. A operadora desenvolveu algumas modelagens para o negócio, mas, para bater o martelo, espera que mais fabricantes lancem modelos dual no mercado – o que reduziria o preço e daria mais escolhas ao usuário. Enquanto isso, intensifica o corpo a corpo com grandes fabricantes. O desafio é convencê-los que há demanda para esse tipo de inovação no País. “Sabemos, por exemplo, que 70% das ligações via celular são feitas dentro de residências e de escritório,muitas vezes pela comodidade de acessar a agenda incorporada ao aparelho”, informa Ricardo Sacramento, presidente da BrT GSM.

 

Por enquanto, a Brasil Telecom testa apenas o aparelho da Sendo e conta com a parceria da Alcatel para integrar os demais equipamentos. Com mais modelos chegando ao mercado, a operadora poderá detalhar aspectos como preços, tarifas e formas de distribuição dos equipamentos aos consumidores (venda, entrega em regime de comodato ou troca por mais fidelidade, entre outras opções), além da definição de público-alvo inicial. O lançamento deverá ocorrer no primeiro semestre de 2005.

 

O entusiasmo de Sacramento não é por acaso. A Brasil Telecom é uma das fundadoras da Fixed-Mobile Convergence Alliance (FMCA), entidade presidida pela British Telecom que tem como missão acelerar o desenvolvimento da convergência fixo-móvel e promover o estabelecimento de um padrão mundial aberto. Sacramento representou a concessionária brasileira nas três reuniões que a entidade realizou até agora (a próxima será em Paris, em data a ser definida).

 

Nos encontros da FMCA, são discutidos os resultados de trials e de reuniões com fornecedores de equipamentos, além de outras alternativas de conexão wireless. “A Motorola, por exemplo, já lançou telefone dual GSM-Wi-Fi, o que gera muitas possibilidades de negócios”, acredita o executivo, que já se permite sonhar ainda mais longe. “Consigo enxergar um futuro próximo em que a convergência fixo-móvel sairá dos limites das casas e escritórios e ganhará as ruas”, profetiza.

 

A Brasil Telecom não é a única operadora brasileira a sonhar com os avanços promovidos pela FMCA. “Essa convergência é uma das alternativas que estamos estudando para compensar o tráfego que sai do fixo para o móvel, que, no nosso caso, já é da ordem de 5%”, diz Wagner Carrijo Borges,  coordenador de planejamento da CTBC. Segundo Borges, há interesse da sua empresa em procurar a Brasil Telecom para discutir o assunto, mas reconhece ser improvável a participação da CTBC na aliança, por se tratar de uma operadora de pequeno porte.

 

A CTBC, que opera telefonia fixa e móvel em Minas Gerais , São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul e Goiás, além do Distrito Federal, acaba de contratar a chinesa Huawei para lhe fornecer infra-estrutura de GSM, que será sobreposta à rede TDMA.O overlay estará concluído no primeiro trimestre de 2005 e deixará a operadora apta à convergência fixo-móvel. “Precisaremos apenas adquirir software e adaptar interfaces”, avalia Borges.

 

Guerra declarada

 

Todo esse barulho produzido pela Brasil Telecom na divulgação do casamento da telefonia fixa com a celular levou a Telemar a reagir. “As estratégias de combate anunciadas pelas novas empresas entrantes e por quem já está no mercado como armas de guerra são, na verdade, uma cópia do que o grupo Telemar já vem fazendo desde a privatização: apostando na sinergia de produtos”, dispara Alberto Blanco, diretor de marketing da Oi. O executivo informa que a operadora já oferece dez produtos convergentes no mercado, tanto para o varejo quanto para o mercado corporativo.

 

O grupo Telemar acredita na inovação e na viabilidade econômica do telefone híbrido, o qual deverá ser oferecido à sua clientela até o fim do ano – antes, portanto, do similar da BrT GSM. O modelo da Telemar também será o Bluetooth da Sendo. O produto está em exposição na Casa do Futuro, um espaço que a operadora montou no Rio de Janeiro para demonstrar tecnologias emergentes e simular a total integração de serviços de voz, vídeo, dados e internet em um  ambiente doméstico.

 

O maior interesse pela nova onda convergente é claramente das empresas de telefonia fixa pertencentes a um grupo que opera ambas as modalidades, fixa e móvel. Assim, é de se imaginar que a Embratel, que se enquadra nessa categoria (é dona da Vésper e pertence ao mesmo grupo da Claro) também voltasse os olhos para essa oportunidade. Mas não é o que ocorre, pelo menos é o que afirma o presidente da operadora de longa distância, Carlos Henrique Moreira. “A telefonia local residencial é que está enfrentando a concorrência do celular. No nosso foco, que é o corporativo, o celular não é um ofensor, e sim um complemento”, defende o executivo, que vê no telefone híbrido mais uma estratégia de preço do que tecnológica.

 

De qualquer forma, o mundo de telecomunicações acompanha atentamente os casos das pioneiras, em especial a British Telecom. A expectativa é que, em se revelando um sucesso, a empreitada provoque uma série de iniciativas, mesmo de empresas fixas ou móveis que atuam sozinhas, que teriam como alternativa as parcerias com outras operadoras de telefonia ou mesmo de TV a cabo para complementar suas ofertas.

 

Por enquanto, tudo são expectativas. Mas os avanços tecnológicos, a queda nos preços e, principalmente, a competição acirrada no setor, criam condições comerciais inéditas com potencial de mudar radicalmente a forma como se vê a telefonia hoje em dia. O celular híbrido é só o começo e nem de longe se aproxima da convergência total, aquela que prevê uma infra-estrutura de rede única, número único (a desejada portabilidade) e conta telefônica única. Mas certamente os executivos da Brasil Telecom e Telemar já conseguem visualizar, em um futuro não muito distante, crianças indagando aos adultos.“É verdade que no seu tempo havia dois telefones, um fixo e um móvel?” É esperar para ver.  

Autor: Ana Lúcia Moura Fé


 

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