Mecanismo biológico do cérebro bloqueia memórias indesejadas


Da Universidade de Stanford


Pela primeira vez, pesquisadores da Universidade de Stanford e da Universidade do Oregon demonstraram que existe no cérebro humano um mecanismo biológico que bloqueia as memórias indesejadas.

A descoberta reforça a controvertida tese lançada por Sigmund Freud, um século atrás, quanto à existência de mecanismos voluntários de supressão de memórias.

"A boa notícia é que mostramos de que maneira o cérebro humano bloqueia uma lembrança indesejada, que esse mecanismo existe, e que ele tem uma base biológica", disse John Gabrieli, professor de psicologia em Stanford e co-autor do estudo intitulado "Sistemas Neurais que Embasam a Supressão de Memórias Indesejadas". "O estudo nos faz abandonar de vez o conceito de que não existe nada no cérebro capaz de suprimir uma lembrança -o de que isso seria uma ficção mal compreendida".

A experiência demonstra que pessoas são capazes de bloquear repetidamente pensamentos sobre experiências que não desejam relembrar, até um ponto em que se tornam incapazes de ganhar acesso a essas lembranças, mesmo que o desejem, explicou Gabrieli.

Michael Anderson, professor de psicologia na Universidade do Oregon e o principal autor do estudo, conduziu a experiência, com Gabrieli e outros pesquisadores, durante uma licença sabática de um ano em seu trabalho na Universidade de Stanford, em 2002/2003.

"É espantoso pensar que nós superamos a barreira, com isso... que existe uma clara base neurobiológica para o esquecimento motivado", disse Anderson.

"A repressão vem sendo uma teoria vaga e controvertida por mais de um século, em parte porque não estava claro de que maneira um mecanismo desse tipo poderia ser implementado no cérebro. O estudo oferece um modelo claro para como isso ocorre, ao vincular o procedimento firmemente a uma capacidade humana essencial, a de controlar o comportamento".

Nos últimos anos, a questão das memórias reprimidas vem atraindo considerável atenção pública, com respeito a casos envolvendo abuso sexual na infância. "A questão toda despertou muitas controvérsias, porque passou por duas grandes viradas de opinião", disse Gabrieli. "A primeira fez com que as pessoas pensassem que aquilo tudo era horrível. A segunda levou-as a imaginar que proporção das lembranças seriam falsas. E aí as pessoas começaram a questionar a existência das memórias reprimidas, e a possibilidade de demonstrá-la experimental ou cientificamente".

Anderson revelou a existência de um mecanismo de supressão como esse no cérebro em um estudo publicado pela revista científica "Nature" em 2001, intitulado "Suprimindo Memórias Indesejadas Via Controle Executivo". Ele levou a pesquisa um passo adiante em Stanford, usando tomografia magnética do cérebro para identificar os sistemas neurais envolvidos ativamente na supressão da memória. As conclusões básicas demonstram que o controle de memórias indesejadas está associado a uma ativação ampliada do córtex frontal direito e esquerdo (a parte do cérebro usada para reprimir memórias), que por sua vez conduziria a uma ativação reduzida do hipocampo (a parte do cérebro usada para lembrar experiências). Além disso, os pesquisadores constataram que quanto mais os pacientes ativassem o córtex frontal durante a experiência, mais sucesso obtinham em suprimir as memórias indesejadas.

"Pela primeira vez, vimos algum mecanismo que poderia desempenhar um papel no processo ativo de esquecer", disse Gabrieli. "É esse o ponto que atrai mais interesse em termos de aplicações práticas, no que tange a experiências emocionalmente perturbadoras e traumáticas e aos efeitos tóxicos da repressão de memórias". A idéia freudiana é a de que mesmo que alguém seja capaz de bloquear memórias desagradáveis, disse Gabrieli, "elas ficam ocultas por lá, em algum lugar, e têm conseqüências, mesmo que as pessoas não as percebam, afetando suas atitudes e relacionamentos".

A experiência

Vinte e quatro pessoas, entre os 19 e os 31 anos de idade, se apresentaram como voluntários para a experiência. Os participantes receberam 36 pares de substantivos não relacionados, como "ordálio-barata", "vapor-trem" e "mandíbula-goma" e foram solicitados a memorizá-los, em intervalos de cinco segundos. Os participantes passaram por testes quanto à memorização dos pares de palavras até que obtivessem índices de acerto da ordem de 75% -processo que envolveu uma ou duas tentativas, segundo Anderson.

A seguir, os participantes foram testados enquanto seus cérebros eram examinados por um sistema de ressonância magnética funcional (fMRI) no Centro Lucas de Espectroscopia Magnética, de Stanford. Os pesquisadores dividiram os 36 pares de palavras aleatoriamente em três conjuntos de 12. No primeiro conjunto, voluntários eram convidados a estudar a primeira palavra do par (apresentada em separado) e tentar lembrar a segunda palavra. No segundo conjunto, os voluntários eram convidados a ler a primeira palavra tentando não lembrar da segunda. O terceiro conjunto de 12 pares de palavras servia como norma de controle, e não foi usado durante o estágio de exames de ressonância magnética da experiência. Os participantes tinham prazos de quatro segundos para ler a primeira palavra de cada par, 16 vezes, durante um período de 30 minutos.

Depois do final da ressonância, os participantes foram testados de novo, com os 36 pares de palavras. Os pesquisadores descobriram que eles se lembravam de menos pares de palavras no grupo do qual haviam sido convidados a não recordar a segunda palavra do que no grupo de controle, ainda que tivessem passado meia hora sem exposição ao grupo de 12 pares de palavras usado para controle.

"A memória das pessoas piora na medida em que elas tentem não pensar sobre alguma coisa", disse Anderson. "Se você as expuser constantemente a um lembrete de uma memória que não desejam contemplar, e se elas tentarem não pensar a respeito, elas na prática não se lembram tão bem quanto no caso de memórias para as quais não foram apresentados lembretes".


Implicações do estudo

Gabrieli disse que as conclusões contrariam a visão humana intuitiva da questão. "O que é engraçado sobre o trabalho é que, do ponto de vista psicológico, a maioria das pessoas é bem diferente disso, na vida -ou seja, coisas desagradáveis muitas vezes invadem seus pensamentos", afirma. "Elas ruminam a respeito, isso as incomoda, e a idéia ressurge quando elas não desejam pensar a respeito. Em geral, basta dizer que alguém não pense em um elefante branco ou em um urso cor de rosa e as pessoas imediatamente visualizam a sugestão".

Anderson comparou a capacidade do cérebro para controlar memórias à capacidade reflexa de uma pessoa para suspender um movimento indesejado. Por exemplo, Anderson recorda de uma ocasião em que estava parado diante de uma janela aberta e viu um vaso de plantas começando a cair. Ele rapidamente tentou apanhar a planta, mas percebeu que era um cacto que poderia feri-lo, e suspendeu a ação. "Nossa capacidade de deter movimentos é tão onipresente que não sabemos o que estamos fazendo", disse. "A idéia em jogo aqui é a de que o mecanismo neurobiológico que desenvolvemos para controlar o comportamento aberto possa ser empregada para controlar ações internas, como o acesso a lembranças".

Anderson disse que as conclusões sobre a capacidade do cérebro para suprimir a memória podem ser usadas como ferramenta para melhor compreender o vício e a capacidade das pessoas para suprimir pensamentos indesejados, relacionados a coisas pelas quais anseiam. Poderia também fornecer um modelo para ajudar a avaliar indivíduos que sofrem risco de distúrbios de estresse pós-traumático, disse.

Tradução: Paulo Migliacci

 

 

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