Brasileiros mapeiam genes ativos da cana

REINALDO JOSÉ LOPES
da Folha de S.Paulo


O mapa dos genes ativos da cana-de-açúcar, que sozinha responde por 30% do produto agrícola do Estado de São Paulo, acaba de ser concluído. Mais de 30 mil possíveis genes foram identificados, abrindo novas perspectivas para a criação de variedades mais resistentes e produtivas da planta --e até de antibióticos.

Com o artigo, aceito para publicação na revista "Genome Research" (www.genome.org), os cientistas de 22 grupos de pesquisa brasileiros e um francês encerram mais de quatro anos de trabalho no projeto Genoma Cana, apoiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e pela Coopersucar (Cooperativa dos Produtores de Cana, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo). O feito foi divulgado na edição deste mês da revista "Pesquisa Fapesp" (www.revistapesquisa.fapesp.br).

Não foi brincadeira lidar com um vegetal tão complicado quanto a cana. Para começar, ela é um híbrido das espécies Saccharum officinarum e Saccharum spontaneum e tem oito cópias de cada cromossomo, as estruturas enoveladas que guardam o material genético. Graças a isso, seu genoma total é quase três vezes maior que o humano, com 8 milhões de pares de bases nitrogenadas (as "letras" químicas das mensagens hereditárias escritas em DNA).

"Por isso, não seria viável nem interessante sequenciar [soletrar] o genoma todo", diz André Vettore, 33, um dos principais membros do projeto, hoje no Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer. Na verdade, o termo exato (e indigesto) para o conjunto de dados é "transcriptoma" -os genes da planta que são efetivamente transcritos, ou seja, os ativos.

Do DNA à ação

É bom lembrar que os genes são "palavras" de DNA inertes enquanto a maquinaria da célula não os "transcreve" como mRNA, ou RNA mensageiro -a molécula que participa da síntese da proteína cuja "receita" está contida no gene. Os cientistas do projeto usaram as chamadas ESTs (etiquetas de sequências expressas, formadas por cópias em formato DNA do mRNA), de forma a trabalhar só com genes ativos.

O resultado impressiona: 33.620 possíveis genes foram apontados, dos quais 1.300 parecem estar envolvidos na maneira como a planta produz açúcar -o que é, claro, o principal interesse de qualquer usineiro. "Agora nós temos o quinto maior número de ESTs depositadas no GeneBank [o banco mundial de dados genômicos], perdendo apenas para trigo, milho, cevada e soja", diz Vettore.

A comparação com os dois genomas vegetais totalmente concluídos, o da planta-modelo Arabidopsis e o do arroz, mostra que a cana compartilha cerca de 70% de seu DNA com a Arabidopsis e 80% dele com o arroz -algo esperado, já que tanto a cana quanto seu parente oriental são da família das gramíneas.

Para Vettore, os maiores passos vêm agora: com a imensa base de dados obtida pelo projeto, os pesquisadores vão poder garimpar os genes da cana em busca de trechos de DNA que ajudem na resistência a doenças e na adaptação a diferentes climas e solos.

"Hoje você precisa de dez anos para gerar uma nova variedade de cana. Deve ser possível, com esses dados, fazer com que esse tempo caia para dois ou três anos."

Proteína antifungo

Uma das safras precoces do projeto, no entanto, é a descoberta de um potente antifúngico que pode evitar a infecção de plantas e, quem sabe, até de pessoas por fungos. É a canacistatina, descoberta pelo biólogo Flávio Henrique da Silva, 38, e seus colegas do Departamento de Genética e Evolução da Ufscar (Universidade Federal de São Carlos).

Trabalhando no Genoma Cana, Silva encontrou várias sequências que codificavam proteínas de resistência à invasão da planta por certos fungos, como o Fusarium e o Colletotrichum. "Esses fungos entram na planta graças ao buraco aberto pelas larvas de uma mariposa", explica o pesquisador.

"Escolhemos algumas dessas sequências e as testamos primeiro contra um fungo inofensivo e depois contra os outros, e todos foram inibidos", conta Silva. "Já temos cinco outros compostos, além da canacistatina, com a mesma capacidade."

Segundo o biólogo, seria possível tanto selecionar as plantas que naturalmente produzem mais do antifúngico, criando uma nova variedade resistente aos invasores, quanto aspergi-lo sobre as plantações que sofrem com o problema. A equipe também já demonstrou que a substância protege outras culturas ameaçadas por fungos, como o caju, o guaraná e a pupunha (espécie de palmeira).

A possibilidade mais interessante, porém, é utilizar a canacistatina e as substâncias aparentadas a ela como antibióticos, contra fungos que afetam seres humanos. "Temos colegas testando essas substâncias contra fungos que infestam hospitais", diz Silva.

 

 

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